sexta-feira, 30 de maio de 2008

o ciclista.

·

Texto do início do ano, quando eu tinha as maiores dúvidas do mundo e agora, bom, agora eu desisti das dúvidas.


W5 sul: meu destino durante 1 ano e meio, agora não sei nem qual estrada eu vou pegar.

Sinto como se estivesse numa via completamente congestionada e impossível de se trafegar, além de não saber onde ela termina. Uma desordem completa e meu carro vai perdendo a gasolina lentamente, enquanto mantenho as mãos geladas no volante/câmbio, os pés cansados na embreagem, acelerador/freio e observo atentamente todos os movimentos ao meu redor.

Eu olho para o céu e vejo os aviões: livres, certeiros, "descomplicados" (mesmo com o caos aéreo, quando eles estão lá em cima tudo parece diferente). Seguindo um rumo que aparenta levar somente à felicidade nuvens adentro, em direção ao sol ou quem sabe, a uma cidade maravilhosa.

Passa por mim um motoqueiro louco e inconsequente, que corre contra o tempo e ultrapassa velozmente os carros parados para chegar aonde precisa sem medir esforços podendo custar-lhe a própria vida. Ele sente a adrenalina em seu sangue, sabe que está errado mas não tem escolha. Precisa chegar ao seu destino (pelo menos ele sabe qual é) antes do fim do prazo. Ele vai, sente-se vivo, eu fico.

Ah, mas o melhor mesmo é o ciclista! Que pedala lentamente na calçada a pouco mais de dois metros de mim! Ouvindo as melhores músicas em seu ipod, trabalhando seu corpo e sua mente, completamente distraído em seu caminho, mas sabendo exatamente aonde deve/quer chegar; sentindo a brisa fraca em seu rosto e iluminado pelos raios de sol que vão se esvaindo, carrega tudo que precisa em uma pequena mochila.

Eu o invejo.

Invejo o fato dele saber aonde vai, invejo o caminho dele estar livre e o meu não. Invejo todas as músicas que ele ouve, que com certeza são as que eu queria escutar e escutei outrora! Porém, são abafadas pelas buzinas que agora escuto vezenquando - não que fossem por minha causa (talvez até fossem e nunca vou descobrir).

Invejo sua distração porque ela não o impede de pedalar em ritmos alternados, sentindo a batida do seu coração - tumtumtumtum tum tum tumtum - elevando sua mente à um estágio subliminar; mantendo seu corpo são, cansado aos poucos mas firme, saudável - eu adoeço.

Invejo a brisa que ele sente porque meu carro está abafado mesmo com as janelas abertas: me sinto sufocar. Invejo sua pele bronzeada pelos raios de sol! Ah, os raios de sol... - minha pele apática e opaca não os sentem há mais tempo do que podia imaginar.

Invejo tudo que ele carrega em sua mochila e a própria! Porque meu carro está uma bagunça, cheio de tralhas desnecessárias e não consigo encontrar nada além daquilo que não quero mais e não posso arremessar janela à fora: minha dor, minha solidão, meu sedentarismo, minha insônia, minha amargura, minha saudade, meu medo, meu fingimento, minha inveja e principalmente, minha covardia.

Covardia porque apesar de invejar tanto o ciclista, não sei se consigo ter coragem para desviar minha rota, parar numa loja e comprar uma bicicleta! Há muito não pedalo e tenho medo de cair, ralar os joelhos como aos seis anos de idade, quando sorridente e despreocupada, descia a rua pelas primeiras vezes sozinha e sem as duas pequenas rodinhas - antes eu era corajosa, agora... e agora?

O ciclista está se distanciando nesse instante, sua simplicidade me parece complexa e longe, algo praticamente inatingível para alguém como eu.

Ao vê-lo partir, sinto que ainda tenho a esperança miúda, quente e irradiante de que um dia, não tarde demais, eu poderei me locomover como ele seja em uma bicicleta, numa moto, num avião ou mesmo aqui, no meu carro.

Respiro, piso na embreagem, engato a primeira, acelero, freio, paro. Continuo parada no congestionamento da minha vida.

Eu quero e preciso ser como o ciclista.

·

quinta-feira, 29 de maio de 2008

terceira pessoa do singular.

·

Ela
não tem muito a dizer; diferente de alguns anos atrás, quando acreditava que sabia de tudo e falava demais. Hoje, o tudo virou nada e tudo que ela sabe é que não pode mais ficar parada, esperando tudo acontecer.

Seus sonhos mudaram, para melhor ou pior talvez, ainda não dá pra saber pois são sonhos, quiçá irão se realizar. Mas ela se esforça... É persistente e eu gosto disso nela.

Ela não gosta de covardia, apesar de ser bem covarde às vezes. E sabe disso, mas tem medo de não poder estar à altura de suas próprias expectativas. Tornou-se insuportável depois de tantas exigências alheias e hoje, decide por si só, mas ainda sofre bastante influências, o que não é tão ruim para uma pessoa fria como ela, já que sabe distinguir os conselhos que recebe.

Antiquada, nem parece que vive em pleno século XXI.
Moderna, nem parece que adoraria viver na década de cinqüenta.

Continua insistindo em mudar de ares, mas não entende que seus problemas não são geográficos e que de nada vai adiantar fugir para as ilhas Fiji. Ela não vai sobreviver muito tempo adiando tudo que já deveria ter sido solucionado.

Demora a se entregar, não importa o quanto tente. É fria, já disse, mas quando se entrega, vai até o fim. É persistente, já disse. E diz o que lhe vem à cabeça se for preciso; saber ser espontânea não significa que ela é uma porra louca e não se importa com o que vão pensar. Sabe se calar e ouvir.

É, fácil fazê-la sorrir agora.
E ela te fazer sorrir, também conta as piores piadas, você vai rir da cara dela, da risada dela, mas quase nunca da piada.
É fácil fazê-la chorar, sempre foi, mas ela segura. É orgulhosa e detesta demonstrar fraqueza.
E ela te faz chorar, principalmente se você estiver chorando sem motivo, ela encontra um se for necessário.

Precisa do seu próprio tempo, detesta ser apressada. Demorou dez horas para nascer e ainda fora forçada a isso através de uma cesariana. Filha do meio do pai, primogênita da mãe, seria o ideal de garota-problema, mas ela não é assim. Doce e amarga, distinta para qualquer paladar.

Sabe que se tiver a oportunidade, vai te cativar.

Ela sempre se pergunta de quê é feita: de idéias, sonhos, atitudes, lembranças, loucuras. Talvez de tudo um pouco, mas não encontrou a resposta ainda.

Quem é ela? É diferente de você e, por várias vezes, indiferente com você. Minha própria personagem, protagonista da minha vida, aquela que criei e que um dia pode parar de contracenar. Pode... ?

·